“Tal qual os senhores de escravos do século
XIX, que diziam que os negros não poderiam ser libertados, pois seriam
entregues à própria sorte, a colunista Danuza Leão, da Folha, argumenta que a
PEC das Domésticas, aprovada pelo Senado Federal, na verdade pune tais
profissionais, uma vez que, com maiores direitos trabalhistas, como FGTS e
adicional noturno, elas serão dispensadas pelas patroas
No
século XIX, os escravocratas tinham um discurso na ponta da língua. Negros não
podiam ser libertados porque, sem a proteção dos fazendeiros, que, afinal de
contas, lhes devam abrigo e alimentação, seriam entregues à própria sorte. Neste
domingo, aquele velho discurso ecoou na Folha de S. Paulo, na coluna da
escritora Danuza Leão, que já viveu seus dias de glória como socialite.
No
texto "A PEC das empregadas", Danuza escreve sobre o projeto de lei
aprovado em primeiro turno pelo Senado Federal, que amplia direitos de tais
profissionais, com a exigência de benefícios como o recolhimento de FGTS e o
pagamento de FGTS. Ela prevê que o projeto, se não for bem discutido, colocará
muita gente no olho da rua, uma vez que as patroas da classe média alta não
conseguirão manter o privilégio – que, aliás, não existe em boa parte do mundo
civilizado, que Danuza bem conhece.
Recentemente,
Danuza já havia escrito que viajar a Paris e Nova York havia perdido a graça,
porque havia o risco de dar de cara com o porteiro do prédio (leia mais aqui). Aparentemente, a
socialite ainda não se acostumou com um Brasil em que as fronteiras sociais se
movem e não são as mesmas do seu tempo.
Leia, abaixo, a coluna de Danuza:
A PEC das empregadas
Essa Pec das empregadas
precisa ser muito discutida; como foi mal concebida, assim será difícil de ser
cumprida, e aí todos vão perder.
A intenção de dar as
melhores condições à profissional, faz com que seja quase impossível que o
empregador tenha meios de cumprir com as novas leis; afinal, quem vai pagar
esse salário é uma pessoa física, não uma empresa.
Vou fazer alguns
comentários sobre as condições -diferentes- em que trabalham as domésticas aqui
e em países mais civilizados.
Vou falar da França e dos
Estados Unidos, que são os que mais conheço. Lá, quem mora em apartamento de
dois quartos e sala, é considerada privilegiada, mas nenhum deles tem área de
serviço nem quarto de empregada (costuma existir uma área comunitária no prédio
com várias máquinas de lavar e secar, em que cada morador paga pelo tempo que
usa); uma família que vive num apartamento desses tem -quando tem- uma
profissional que vem uma vez por semana, por um par de horas.
É claro que cada um faz sua
cama e lava seu prato, e a maioria come na rua; nessas cidades existem dezenas
de pequenos restaurantes, e por preços mais do que razoáveis.
Apartamentos grandes, de
gente rica, têm quarto de empregada no último andar do prédio (as chamadas
"chambres de bonne", que passaram a ser alugadas aos estudantes), ou
no térreo, completamente separados e independentes da família para quem
trabalham.
Essas domésticas -fixas e
raras- têm salario mensal, e sua carga horária é de 8 horas por dia,
distribuídas assim: das 8h às 14h (portanto, 6 horas seguidas) arrumam, fazem o
almoço, põem a casa em
ordem. Aí param, descansam, estudam, vão ao cinema ou
namoram; voltam às 19h, cuidam do jantar rapidinho (lá ninguém descasca batata
nem rala cenoura nem faz refogado, porque tudo já é comprado praticamente
pronto), e às 21h, trabalho encerrado.
Mas no Brasil, muitos
apartamentos de quarto e sala têm quarto de empregada, e se a profissional mora
no emprego, fica difícil estipular o que é hora extra, fora o "Maria, me
traz um copo de água?". E a ideia de dar auxílio creche e educação para
menores de 5 anos dos empregados, é sonho de uma noite de verão, pois se os
patrões mal conseguem arcar com as despesas dos próprios filhos, imagine com os
da empregada.
Quem vai empregar uma jovem
com dois filhos pequenos, se tiver que pagar pela creche e educação dessas
crianças? É desemprego na certa.
Outra coisa esquecida: na
maior parte das cidades do Brasil uma empregada encara duas, três horas em mais
de uma condução para chegar ao trabalho, e mais duas ou três para voltar para
casa, o que faz toda a diferença: o transporte público no país é trágico. Atenção:
não estou dando soluções, estou mostrando as dificuldades.
Na França, quando um casal
normal, em que os dois trabalham, têm um filho, existem creches do governo (de
graça) que faz com que uma babá não seja necessária, mas no Brasil? Ou a mãe
larga o emprego para cuidar do filho ou tem que ser uma executiva de salário
altíssimo para poder pagar uma creche particular ou uma babá em tempo integral,
olha a complicação.
Nenhum país tem os
benefícios trabalhistas iguais aos do Brasil, mas isso funciona quando as
carteiras das empregadas são assinadas, o que não acontece na maioria dos
casos; e além da hora extra, por que não regulamentar também o trabalho por
hora, fácil de ser regularizado, pois pago a cada vez que é realizado? Se essa
PEC não for muito bem discutida, pode acabar em desemprego.
P.S.: É difícil saber quem
saiu pior na foto esta semana: se d. Dilma, dizendo em Roma que a culpa pelas
tragédias de Petrópolis se deve às vítimas, que não quiseram sair de suas
casas, ou se Cristina Kirchner, pedindo ajuda ao papa no assunto das Malvinas.
Leia, ainda, o texto da Agência Brasil, sobre a PEC das Domésticas:
Mariana Jungmann
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O plenário do Senado aprovou hoje (19), por
unanimidade em primeiro turno, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que
amplia os direitos trabalhistas dos empregados domésticos, conhecida como PEC
das Domésticas. Foram 70 votos favoráveis e nenhum contrário. Foi aprovada
apenas uma emenda de redação, de modo que a matéria conserva o texto enviado
pela Câmara dos Deputados.
O texto estende aos empregados domésticos
16 direitos assegurados hoje aos demais trabalhadores urbanos e rurais regidos
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), incluindo obrigatoriedade
de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), hora extra e
adicional noturno. Além disso, passa a ser obrigatório o aviso prévio de 30
dias antes de demissão sem justa causa ou de pedido de demissão por parte do
trabalhador. A categoria reúne 6,6 milhões de brasileiros, sendo a maioria
formada por mulheres (6,2 milhões).
Por acordo entre o presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL), e os demais senadores foram quebrados os
interstícios necessários para a votação em primeiro turno. A votação em segundo
turno foi marcada para a próxima semana, na terça-feira (26). Se o texto da
Câmara for mantido também na próxima votação, a matéria seguirá para
promulgação.”
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