'Abraços Partidos' radicaliza no seu jogo de aparências

Pedro Almodóvar diz em entrevista a um grupo de jornalistas, que filmou a ilusão para entender o real

Luiz Carlos Merten, de O Estado de S. Paulo

Nos últimos anos, Pedro Almodóvar tem levado ao Festival de Cannes grandes filmes - Tudo Sobre Minha Mãe, Volver, Abraços Partidos. Ele chega sempre como favorito, alguns júris lhe outorgam bons prêmios de consolação - direção, roteiro, interpretação. Este ano, com Abraços Partidos, que estreia hoje no Brasil, não houve nenhuma consolação para Pedro - o júri presidido por Isabelle Huppert o ignorou, por completo. Ele intuía que isso poderia ocorrer, na entrevista concedida a um pequeno grupo de jornalistas, numa tarde particularmente atribulada de maio, na Croisette. Almodóvar estava mesmo cansado da condição de favorito.

Você é o primeiro a afirmar que seus filmes têm gêneses curiosas. Como foi a de Abraços Partidos?
Mais curiosa que de hábito. Faz um tempo que visitei a ilha de Lanzarote e tirei algumas fotos daquela praia, que é tão bela. Lembrava-me da praia deserta, pois era fora de estação, mas ao revelar as fotos, como o protagonista de Blow Up - Depois Daquele Beijo (de Antonioni), fiz uma descoberta. Havia um casal abraçado. Como não os havia percebido? Ocorreu que há dois anos fiquei doente e tive de passar um período na obscuridade. Comecei a pensar nessa história sobre um diretor cego, em consequência de um acidente, e incorporei a imagem do casal na praia, que tanto permanecia comigo.

Seus filmes tratam de duplos e misturam gêneros. Você concorda que este parece um melodrama à Douglas Sirk impregnado de cinema noir?
O duplo realmente me atrai como representação da realidade, até porque um personagem é um personagem, sobre o qual cada um de nós projeta suas ansiedades e referências. Eu penso uma coisa, você pode projetar outra. O filme tem a cena em que o maquiador diz a Penélope (Cruz) que se parece com Audrey Hepburn, mas ela também usa uma peruca loira, que pode se assemelhar a Marilyn Monroe. O melodrama e o humor sempre me acompanham. Fazem parte da minha cultura, do meu imaginário. E existem elementos noir, bem fortes até, mas hesito em proclamá-los porque isso pode alimentar expectativas. Vão dizer que eu revoluciono o noir, e talvez não seja bem o caso.”
Foto: Paola Ardizzoni
Abobadárrio (Entrevista) Completo, ::Aqui::

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