Colecionar bebidas: um passatempo estranho

Quatro garrafas do vinho Armagnac Vieux, de 1875, cobertas por fungos, são exibidas no tradicional restaurante La d'Argent, em Paris

Mauricio Tagliari, Terra Magazine

“Nunca consegui ser um colecionador de verdade. Nem de figurinhas, quando criança. Cheguei a ter uma respeitável quantidade de latinhas de cerveja importadas. Mas um dia me disseram que a "coleção" não valia nada por ter sido devidamente bebida até a última gota. Ora, que ideia é essa de guardar cerveja estragando na lata? Guardar coisas relativas a sua vida, memorabilia, eu até entendo.

Parece-me estranho o comportamento do colecionador nato. Nem menciono aqueles malucos milionários de filmes que tentam roubar a Mona Lisa para apreciá-la na solidão de seu palácio. Falo de coisas mais prosaicas. Não consigo pensar em guardar um vinho para beber daqui a vinte anos e muito menos considero pagar uma fortuna para possuir uma raridade. Busco história, tradição, inovação, mas o sabor vem na frente. Guardar uma bebida que tem um ciclo de vida é uma aposta nem sempre segura. Assim como as pessoas, há vinhos mais ou menos longevos.

Confesso ter descoberto outro dia uma garrafa de um grande bordeaux de uma safra histórica na minha adega. Daquelas que valem muito e costumam ir a leilão. Mas foi um mero acidente fruto de minha desorganização. Comprei por um preço razoável há muitos anos. Esqueci e agora me vejo num dilema: beber ou vender? Com certeza vou beber. Mesmo sabendo que poderia conseguir muitas outras garrafas de vinhos extraordinários, mas não lendários, pelo valor desta. O dado complicador é que a raridade me obriga a escolher meticulosamente a ocasião. E com isso, ironia, o vinho vai ficando mais raro e mais caro.”
Foto: AP
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