“OUVI DE MINHA amiga Consuelo uma queixa que me pareceu incongruente: “Lembra do Carlos? Dispensei. Ele era insuportavelmente grosseiro depois do orgasmo”. “Como assim?”, perguntei. “Vocês homens tornam-se incivilizados depois que conseguem seu orgasmo. Sobem na árvore, grunhindo para si mesmos, incapazes de dividir. “Dividir. Quantas vezes já ouvi esta palavra sair em estocadas da boca de uma mulher. Di-vi-dir. Em suma, o pobre Carlos, o fiel e dedicado Carlos, depois do orgasmo, quis assistir futebol. Nem um beijo, nem uma palavra de amor. Apenas o som frio e oco do controle remoto. Adeus, Carlos, você não quis di-vi-dir o “depois” do orgasmo.
Consuelo não é exatamente uma feminista, e a queixa, embora intelectualizada, me pareceu cheia de razão. É verdade, depois do sexo somos incivilizados: sofremos de fastio. Todos nós, homens, sofremos do fastio pós-coito. Mas por alguma razão sempre à espreita, talvez o terror antimachismo ou a política de boa vizinhança, temos de fingir que não. Disse firme para Consuelo: “Já não bastam as preliminares extensíssimas que vocês nos exigem, querem agora que fiquemos depois fazendo onda também…” Não sei se foi a palavra onda, mas o fato é que ouvi de Consuelo a seguinte frase: “Você é narcisista e egocêntrico”.
As mulheres são mesmo assim, sinceras. Nós é que somos os eternos mentirosos. E pagamos por isso. Mentimos (ou ao menos omitimos) que queremos ficar ao lado delas depois de totalmente saciados, quando, na verdade, queremos ligar a TV e ver os gols da rodada ou ir à cozinha comer um pedaço de pizza fria. Talvez seja hora de falarmos com a franqueza peculiar ao sexo frágil. Elas nos pedem que compreendamos seu tempo sexual. Nós compreendemos. Elas nos pedem que olhemos seu interior. Nós olhamos. Elas nos pedem que dividamos com elas a preocupação com a gravidez. Nós dividimos. Quero viver meu fastio pós-coito, meu pessoal e intransferível pós-coito, em paz. É meu singelo pedido.
Para nós, homens, parece nonsense o bailado
feminino depois da cópula. Não entendemos como elas conseguem permanecer
passarinhando ao nosso redor, esfregando seus pezinhos frios na nossa canela e
beijando nossa orelha, se não há nenhum motivo gritante para isso. Já não
cumprimos nossa missão, passo a passo – caprichamos nas preliminares, olhamos
por dentro delas, usamos devidamente a camisinha contra gravidez e doenças? Elas
já não estão coradas e felizes? Que mais esperam de nós, depois de tamanha
explosão de energia? Não entendo. Há entre um orgasmo e outro um breve momento
de indiferença gloriosa. É breve, mas existe. Depois do sexo, estamos fartos,
cheios até a boca, boiando no torpor de nossos egos inflados e hormônios
sedados, orgulhosos de nós mesmos e completamente indiferentes a ela – ou a
tudo. Olhei para Consuelo e pedi: “Clemência! É que, depois do sexo, não
precisamos de mais nada”. Consuelo fuzilou-me: “Vocês só nos dizem coisas doces
para nos usar. Depois do prazer, não servimos nem para conversar”.
E isso não é ótimo? É como nos sentimos
também – usados -, só que não julgamos isso negativo. Consuelo me cansa com a
mania persecutória comum a todas as mulheres deste século. Pago por todos os
homens opressores da história da humanidade – e quem sou eu? Um oprimido, um
homem que não pode viver seu fastio pós-coito sem sustos, porque sabe que um
quarto de hora mais tarde estará de novo no alto da montanha-russa da
testosterona, prestes a implorar de joelhos que a amada o encha de beijos e ouça
as perversões que guardou para ela. Quem é o usado aqui?
Calei-me. Não disse a Consuelo uma imagem
que Toni, um amigo em comum, me deu certa vez sobre o momento depois do
orgasmo. “Sabe”, ele me disse, “quando você encosta os dois pés na beirada da
piscina para dar impulso e ganhar distância? Tenho vontade de fazer isso… na
cama”. Ele não disse na cama, ele disse o nome da namorada dele. E completou:
“Com todo respeito”. Toni ansiava por ganhar espaço, solidão, estar só com sua
total – e fugaz – alforria do desejo. Sexo é prisão. Doce prisão. Se há alguém
escravo numa relação de sexo, somos nós, os homens. O desejo nos acorrenta às
mulheres; o momento pós-coito nos liberta. Nos sentimos livres, por alguns
momentos, daquela angústia permanente que é nosso desejo ancestral de copular
com todas as mulheres do mundo, distribuir nossos espermatozóides e proliferar
nossas sementes sobre a terra.
É uma centelha de paz justa, merecida,
neste universo tão caótico. E não há razão nenhuma para que sintamos culpa pelo
fastio diante da nudez irada e tagarela da mulher que acabamos de satisfazer
sexualmente e agora insiste numa conversa sem sentido.”
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