Prefiro Miami
"Na primeira pessoa, uma sátira sobre o auto desprezo e outros infernos do mundo coxinha
Marcelo Zero, ISTOÉ
Após comer uma coxinha estragada ontem à noite, acordei com os neurônios paralisados e dando razão ao pessoal anti-Copa.
Mesmo sendo um grande sucesso, essa Copa não deveria ter acontecido.
O Brasil ainda não tem Saúde e
Educação de Primeiro Mundo. Portanto, não podia ter Copa. Tudo bem que
os investimentos nos estádios foram 212 vezes inferiores ao que foi
gasto com Saúde e Educação nos últimos 4 anos. Tudo bem que não tem
dinheiro do orçamento federal nessas obras. Tudo bem que são empréstimos
que terão de ser pagos por quem assumiu os estádios. Mas mesmo assim,
não deveria ter havido Copa.
Não sei explicar bem o porquê.
Não estou conseguindo enxergar direito qual a relação entre uma coisa e
outra. Mas acordei revoltado, com vontade de xingar, como o pessoal vip
do Itaquerão, e acho porque acho, e pronto!
E digo mais, tem muita coisa também que não deveria ter acontecido no Brasil.
Por exemplo, o João VI chega
todo faceiro ao Brasil e, no meio daquele miserê de dar dó, resolve
trazer, a peso de ouro, a Missão Francesa ao Brasil. Toda essa gastança
para quê? Para implantar o neoclassicismo no Brasil. Imagina! Não tinha
nem classicismo no Brasil e o pessoal gastando essa dinheirama para
trazer o neoclassicismo!
O povo passando fome, sem
nenhum hospital e escola, na fila do tronco, e o coitado do cidadão
financiando o Grandjean de Montigny e a construção da Academia Imperial
de Belas Artes, aquela frescura superfaturada. O Brasil com 99% de
analfabetismo dando dinheiro para o Debret fazer aquelas gravurinhas
vagabundas dele. E precisava fazer Jardim Botânico? Mato era o que não
faltava no Brasil da época. Típica obra desnecessária.
E o Pedro II, hein? Em 1884,
com o Brasil com 98% de analfabetos, com gente morrendo aos montes de
febre amarela no Rio de Janeiro, o imperador me inaugura uma ferrovia
caríssima que vai até o alto do Corcovado. Para quê, meu Deus? Nem Deus
explica, porque o Cristo nem estava lá, ainda. Só chegou em 1931. Sabem o
que havia lá encima? O tal do Chapéu do Sol, um mirante para o pessoal
fazer piquenique. Não tinha Educação e Saúde e o pessoal fazendo
piquenique e pensando em turismo. Até um hotel fizeram lá nas Paineiras.
E precisava botar o Cristo lá
no alto? Deus é omnipresente, já estava por lá desde a eternidade. Outra
obra claramente desnecessária. Tudo bem que o Cristo foi construído com
dinheiro quase todo oriundo de doações. Mas com todo aquele concreto e
aquela grana bem que podiam ter feito umas casas populares. Sei lá, um
programa tipo Santa Casa, Santa Vida.
Fico possesso quando penso no
Maracanã. Em 1950, o Brasil tinha mais de 70% de analfabetos, só uma
meia dúzia de universidades, doenças e misérias sem fim e, mesmo assim,
resolveram fazer uma Copa por aqui. Mas não resolveram apenas fazer uma
Copa. Não! Resolveram fazer também um estádio novinho em folha. E não
foi um estádio modesto, não. Os caras simplesmente resolveram fazer o
maior estádio do mundo. Carlos Lacerda, o avô dos anti-Copa, bem que
advertiu contra esse gasto absurdo, contra essa megalomania tupiniquim.
Mas o pessoal fez assim mesmo e o Maracanã acabou virando um “templo do
futebol mundial”. Frescura! Sempre fico pensando que, com aquele
concreto todo, dava para construir uma gigantesca prisão e botar todos
os mendigos do Brasil lá dentro, ao invés de jogá-los no rio Guandú,
como Carlos Lacerda fez. Essa sim teria sido uma grande e útil obra!
Fico mais possesso ainda quando
penso no Juscelino. O pessoal de hoje fica falando da Dilma, mas o
Juscelino era muito pior. Estivesse ele na ala vip do Itaquerão, teria
sido esquartejado. Imaginem só, o Brasil com mais da metade da população
na miséria e no analfabetismo, sem Bolsa Família, sem Brasil Carinhoso,
sem Prouni, sem Reuni, sem Fies, sem Ciência sem Fronteiras, sem Mais
Médicos, sem Minha Casa, Minha Vida, sem Transposição do São Francisco,
sem qualquer coisa, e o sujeito me resolve construir uma cidade inteira
no meio do nada! E ainda ficou justificando que era para “levar o
desenvolvimento para o interior”. Ora, era muito mais fácil e barato
botar a capital em Juiz de Fora, que fica bem mais perto do Rio e já
estava pronta. Estava tudo resolvido. O Aécio não é senador por Minas e
não vive no Rio? Então?
Agora, eu fico apoplético é com
a origem de tudo isso, de toda essa cultura da gastança desnecessária. A
Coroa portuguesa, essa devassa. Portugal, na transição do século XV
para século XVI, cheio de miseráveis, com 99,999% de analfabetos, até
peste bubônica tinha, e os gajos me resolvem jogar dinheiro e recursos
fora com os tais dos “descobrimentos”. Era um tal de mandar o Fernão de
Magalhães para lá, o Vasco da Gama para acolá, o Pedro Álvares Cabral
para cá. Era uma farra só. Com dobrões públicos!
E o pior é que os caras nem
sabiam direito para onde iam! Quando perguntados, diziam com um sorriso
cínico: estou a procurar terras desconhecidas a serviço de Sua
Majestade. Diziam que queriam achar “uma nova rota para as Índias”. Ora,
se já existia uma para que queriam outra? Só para jogar dinheiro fora.
Picaretas! Além de gastar inutilmente os parcos recursos do país, ainda
arriscavam a vida das pessoas, pois todo o mundo sabe que, naquela
época, a Terra era plana, e chegando-se aos seus confins, as naus caíam
todas num abismo sem fim. Irresponsáveis!
Ainda tiveram o topete de
contratar o tal do Camões para fazer o marketing dessa picaretagem toda.
Igualzinho aos “blogs sujos” de hoje!
Razão tinha o Velho do Restelo, que avisou que nada disso ia dar certo.
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